terça-feira, agosto 10, 2004

Cypher e os problemas em "The Matrix"

Bem, já que me lancei na senda do comentário de filmes, primeiro com "Fahrenheit 9/11" e depois com "Super Size Me", resolvi continuar com mais um filme, mas desta vez afastando-me um pouco da análise das deturpações políticas actuais, se bem que é bem verdade que podem ser (e já foram) estabelecidos paralelismos entre "The Matrix" e a obra/ideologia de Karl Marx. Porém, neste caso não venho propriamente analisar essa vertente, e sim os aspectos epistemológicos e éticos presentes no filme e que são questionados partindo das acções da personagem Cypher, mas que englobam uma análise que compreende os três filmes, ao invés de se cingir à informação veiculada no primeiro.
Cypher e os problemas do filme Matrix

Desde logo, o filme apresenta uma ilusão que contrasta com uma realidade, uma forma de controlo que se opõe a uma libertação. Em suma, o mal e o bem. De facto, e estabelecendo o paralelismo com outras fontes que fornecem o background para a história do filme, é essa ideia de liberdade que é defendida: os humanos precisam de se libertar da ilusão e da opressão, para poderem ser verdadeiramente livres e poderem saber o que é real, o que é não-ilusório; o mesmo segue para A alegoria da Caverna de Platão e outras influências filosóficas. O filme pretende assim despertar a assistência e levá-la a questionar sobre aquilo que a rodeia. Porque, afinal de contas, não existe maneira de sabermos se estamos, de facto, numa simulação do género Matrix! Qualquer pessoa que queira provar logicamente e sem sombra de dúvida que não estamos todos enfiados em tanques e a nadar numa versão sintética do líquido amniótico vai ser certamente acometida de fortes dores de cabeça, porque um dos pontos mais brilhantes do filme é o facto de não oferecer qualquer escapatória e ser (por muito difícil que seja de acreditar) verosímil, palavra que aplico num sentido estrito e não lato (a verosimilhança de que falo está mais enquadrada no conceito de plausibilidade, mas, de alguma forma, ultrapassa-o); o mesmo se aplica a Morpheus, ele pura e simplesmente não pode saber se está ou não no mundo real mesmo depois de ter saído da Matrix (apesar de nos ser dito que esta crença é, afinal de contas, correcta, ele não o pode saber porque não tem a omnisciência do espectador). Eu não creio estar numa matriz computorizada, mas não posso provar que não estou. Por outro lado, não posso provar que estou, mesmo se cresse nessa possibilidade. Faz-me lembrar um pouco os debates científico-teológicos sobre Deus(es)... O que não deixa de ser engraçado é que Descartes (outra das bases ideológicas do filme) afasta a sua dúvida sobre se ele ou mesmo o Mundo existem com a existência de Deus, que, repito, se torna difícil de comprovar! É claro que ressalvo desta verosimilhança algumas pequenas (e daí talvez não tão pequenas) incongruências de hardware e software que existem no filme – ninguém é perfeito... Portanto, muito tendenciosamente, mas sem qualquer espanto, o espectador é conduzido a tomar o partido dos “bons” e a rejeitar sumariamente o ponto de vista dos “maus”. O que leva a que, quando Cypher se senta à mesa com o Agente Smith a discutir os termos da traição dos seus amigos de longa data, o espectador se sente enjoado, perguntado talvez “Como é possível?! Ele quer voltar?! Estará louco?!” Ora, esta questão, que já parece arrumada (em virtude da fé exagerada nos juízos empíricos que muitas vezes fazemos), tem, na verdade, três vertentes: a vertente ética, a vertente hedonística e a vertente ideológica que se pode extrair da posição de Cypher, muito embora o próprio não partilhe dela (ou pelo menos o filme não o demonstra).

Ética na posição de Cypher

Este ponto não deixa grandes dúvidas. Qualquer pessoa (no sentido filosófico de “pessoa”, como alguém que não vive só para si, que tem e pratica a empatia e a praxis) tremerá de nojo ao verificar que Cypher vende os seus amigos muito simplesmente porque está farto de viver fora da Matrix (e de comer aquela mistela sintética que servem na Nebuchadnezzar: olhem como se delicia com o bife!). Esta acção é completamente anti-ética, já que, concordando ou não com as opiniões dos seus amigos sobre a Matrix, não tem o direito de sacrificá-los e menosprezá-los, privando-os do direito a exercer a sua liberdade e a seguir um plano ético e vivencial próprio. Cyoher está apenas a obedecer aos seus próprios interesses, sem tomar em consideração o que quer que seja. Eticamente, a atitude dele é condenável e essa é a principal razão pela qual os espectadores negam terminantemente tudo aquilo que Cypher diz. Julgam-no mesmo louco. Não ponho a sua insanidade mental em causa, mas existem outros aspectos que merecem ser considerados e que não o podem ser se nos limitarmos a ignorar o que Cypher diz.

Hedonismo na posição de Cypher

A posição de Cypher é claramente hedonística: apesar de saber que o bife não é real, delicia-se com ele, quase parece querer encará-lo como real (e notoriamente considera-o melhor que a já referida mistela sintética do mundo real). Mais tarde, ao falar com Trinity quando esta ainda está na Matrix e ele está na realidade, ele defende que a Matrix pode ser mais real do que o mundo real. Isto demonstra sem dúvida que, para Cypher, a realidade se prende com a satisfação posterior: quanto mais satisfação se obtiver, maior é o grau de realismo (ou de realidade, neste caso) – hedonismo, portanto.
Claramente ele preocupa-se apenas consigo próprio uma vez mais e a sua posição egoística leva-o a este ponto de vista que certamente não será do agrado (intelectual) dos espectadores: a realidade, assim o cremos, tem uma existência independente da finalidade para a qual é utilizada e não depende do grau de satisfação do sujeito.

Então, estamos exactamente no mesmo sítio onde estávamos antes de ter começado a minha análise! Condenamos a sua falta de ética e de princípios humanos e condenamos o seu desejo de prazer que se conjuga com o sacrifício de tudo a isso e a uma concepção adulterada do que é real.
Mas, na verdade, resta a análise ideológica que Cypher não partilha mas que se pode retirar da forma como ele age.

A ideologia que se pode extrapolar

Tal como eu disse no início, a Matrix é considerada condenável porque nos priva da realidade e do saber real e porque nos priva da nossa liberdade como agentes de acção. E agora eu pergunto: será isto realmente assim?
Na maioria dos ensaios de filosofia que li sobre o Matrix (e não foram poucos) e em que se fala de problemas epistemológicos, existe uma preocupação central, a par da de Platão e Descartes: aquilo que percepcionamos pode não ser real, o que implica que estamos iludidos sobre o mundo e sobre o que nos rodeia: somos incapazes de conhecimento de facto se nos basearmos apenas nos sentido (e até mesmo a Ciência seria criticada por Descartes, que gostava de criticar tudo – absolutamente tudo), excepção feita aos elementos matemáticos e geométricos, imutáveis e sempre verdadeiros, quem em Descartes quer em Platão.
Na Matrix podemos ver claramente (e daí talvez não) como eles estão enganados sobre a realidade: passam a vida mergulhados num líquido viscoso com o sistema nervoso central e periférico ligado a um super-computador que lhes dá a aparência de terem experiências e de viverem. Existem apenas “sinais eléctricos interpretados” por um cérebro, como diz Morpheus a Neo no Construct. Assim, e segundo muitos filósofos que se debruçaram sobre este problema, existe um erro total na concepção da realidade, e que, ainda por cima, é massificado. Interessantemente, considero que esta afirmação é verdadeira em dois sentidos mas fundamente falsa em outros dois, um deles o mais importanto de todos os quatro.
Na Matrix podemos ver claramente (e daí talvez não) como eles estão enganados sobre a realidade: passam a vida mergulhados num líquido viscoso com o sistema nervoso central e periférico ligado a um super-computador que lhes dá a aparência de terem experiências e de viverem. Existem apenas "sinais eléctricos interpretados" por um cérebro, como diz Morpheus a Neo no Construct. Assim, e segundo muitos filósofos que se debruçaram sobre este problema, existe um erro total na concepção da realidade, e que, ainda por cima é massificado. Interessantemente, considero que esta afirmação é verdadeira em dois sentidos mas fundamentalmente falsa noutros dois, um deles o mais importante de todos os quatro.
0 primeiro sentido em que esta afirmação é verdadeira é o mais óbvio: percepcionam prédios, carros, etc... quando na verdade estão dentro de um mundo cibernético onde toda a realidade não passa de combinações de zeros e uns. Portanto, nao existe a adequatio res et intellectus, já que a res (código binário) não é percepcionada como tal, os sentidos dos encarcerados não os põem em contacto com a realidade que os rodeia (a Realidade Virtual (RV), entenda-se). Porém, algo se insurge contra isto, tomando a afirmação não tão verdadeira quanto isso... Nós (presumindo que estamos em contacto com a Realidade Real (RR)) também não percepcionamos os átomos e moléculas como átomos e moléculas. Percepcionamos as coisas como gestalts, conjuntos mais significativos do que a soma das suas partes. Assim, os habitantes da Matrix podem não percepcionar o código binário mas percepcionam as gestalts, as formas resultantes e ao mesmo tempo excedentes dessas combinações de códigos binários (para que se possa perceber melhor, chamo a atenção para a visão de Neo da Matrix depois da segunda ressurreição; ele vê apenas linhas de código informático, vê apenas os elementos constituintes básicos e não percepciona - directamente, porque ele percebe esses constituintes e agrega-os mas não os percepciona agregados da forma convencional - as gestalts daMatrix). Assim, apesar de não saberem a verdade sobre o seu mundo de RV (o que é incontestável), percepcionam as gestalts da RV. Estão equivocados em relação à realidade da Realidade que percepcionam, mas percepcionam essa mesma Realidade, estando portanto em contacto com ela.
0 segundo sentido prende-se com a RR (o mundo que existe fisicamente fora da Matrix) e que é a parte mais importante. Estando eles encarcerados dentro da Matrix, é impossível que percepcionem a RR. Até aí é verdadeiro. Porém, o que se costuma dizer é que, porque não percepcionam a RR, as suas crenças sobre a RR estão erradas porque são baseadas nas experiências da RV e que as crencas sobre a RV estão tambem completamente equivocadas. Ora, isto já não é bem assim! Na verdade, e por estranho que pareça, é por percepcionarem a RV como sendo RR que eles possuem conhecimentos correctos (na medida do possível) sobre a RR. Não se pode dizer que existem erros massificados quando, na verdade, tudo o que eles sabem se aplica à RR! Se um físico quântico saísse da Matrix, não precisava de aprender tudo de novo, nem de esquecer o que tinha aprendido, porque tudo se aplicaria na perfeição. Isto porque a RV é uma simulação (quase) perfeita da RR, permitindo aos sujeitos ter a experiência da RR na RV. É claro que em termos históricos e de realidade física (ao invés da realidade do funcionamento inerente à natureza) existiriam erros crassos, o que não permite dizer que todos os conhecimentos dos ligados à Matrix estão equivocados. Como acabei de dizer, o subjacente (as leis naturais) e muitas outras coisas (Filosofia, Sociologia, etc...) estão completamente correctas. Aliás, vou mais longe: com tanta guerra em Zion, será que eles possuem tanto conhecimento como os cientistas da Matrix?
Em suma: ao percepcionarem a RV, conhecem a RR, estando os seus conhecimentos certos em relação à RR e incorrectos em relação à natureza das percepções da RV. Existem duas realidades, percepcionam e estão em contacto com uma, pensando que é a outra. Porém, tudo o que sabem da RR também se aplica à RV, simplesmente mudam as partes que compõem aquilo que se percepciona como uma mesma gestalt. Na RV, a gestalt ''carro" é composta por bits mas é mais do que os próprios bits; na RR, a gestalt "carro" é composta por partículas sub-atómicas mas é mais do que as próprias partículas. Uma mesma gestalt, com duas origens. Ambas se comportarão da mesma forma em ambas as realidades!
Agora que já foi visto o problema da realidade, resta ainda o problema da liberdade.
Segundo é opinião corrente, os seres humanos, porque estao aprisionados (física e mentalmente) na Matrix não são livres. Portanto, precisam de se libertar da Matrix para poderem ser livres, para poderem ser agentes das suas acções. Na minha análise actual deixarei de fora os princípios deterministas que surgem no filme, ja que o assunto do Destino (e consequente liberdade ou não do sujeito) é abordado de duas formas contraditórias: por um lado existe um futuro que, até certo ponto está escrito e que leva a que certos acontecimentos tenham lugar "inexoravelmente" (como diz o Arquitecto); mas, por outro lado, "o problema é a escolha", como Neo e a Oráculo dizem muitas vezes, o que obriga a que exista um agente livre que escolha e que impede a existência de um Destino já traçado.
Ater-me-ei à análise da frase destacada. Ora, é claro e inequívoco que existe uma forma de controlo, uma forma de prisão, já que os humanos não escolheram ser ou não inseridos na Matrix, simplesmente foram-no de forma arbitrária. Neste aspecto, os humanos perdem alguma da sua liberdade. Mas isto não implica que os sujeitos não tenham liberdade! Isto não implica que não exista livre-arbítrio e responsabilidade a par das acções dos sujeitos. Muito simplesmente, eles não têm liberdade dentro da RR. Se analisarmos a RV, vemos que afinal a liberdade ainda existe!
Os sujeitos dentro da Matrix fazem o que querem, quando querem e como querem, com respeito às limitações também existentes na RR e portanto irrelevantes para o caso! Se as máquinas Ihes dissessem ou os obrigassem a fazer isto ou aquilo, admitir-se-ia que não existia liberdade, porém, o caso não é esse: dentro da Matrix, os indivíduos são agentes, têm liberdade, são responsáveis pelas suas acções e podem (ou não) agir de acordo com os princípios que partilham. Exactamente da mesma forma que na RR. Não obstante isto, existem algumas coisas que realmente limitam a liberdade dos inseridos na Matrix e que não existem na RR: quando um Agente se apodera do corpo de alguém e o utiliza, ou quando uma Era da Matrix chega ao fim e as máquinas fazem reset ao sistema, não permitindo o avanço natural da História. Fora estas excepções, todos os que estão dentro da Matrix são livres, livres segundo as regras da sua própria Realidade. É claro que existiria um grau muito maior de liberdade se Ihes fosse dado a escolher se queriam ou não estar na Matrix (que é como acaba o terceiro filme).
E se essa escolha estivesse disponível? Pessoalmente, quereria ficar dentro da Matrix, e nem pensaria terceira vez! No caso de uma Matrix benevolente (do género que se começa a formar no fim do terceiro filme), não existiria provavelmente a necessidade de Agentes, nem de andar a fazer reset ao programa. E, considerando o estado do planeta, viver-se-ia em liberdade e em realidade dentro da Matrix. Para além do mais, esta é uma ligação tecno-simbiótica que faz todo o sentido: as máquinas cuidam de nós e nós cuidamos delas. Qual é o problema? Acrescente-se a isto mais uma coisa: quem viu o DVD “Animatrix” pode constatar que a culpa da guerra foi dos humanos. Fomos nós que quisemos destruir as máquinas, e elas indulgenciaram muitos abusos da nossa parte! Elas, tendo necessidade da nossa bio-energia, puseram-nos dentro da Matrix. Mas, de certa forma, também precisamos delas! Zion funcionava à base de máquinas, como o conselheiro Hamman bem demonstra a Neo; entre umas e outras, prefiro ficar na segurança e no descanso da Matrix, que fornece muito mais do que a RR, a todos os níveis que se possa imaginar. Que importa que eu não controle o meu corpo? Só através do cérebro sei que tenho corpo, portanto, a partir do momento em que eu pense e possa controlar um corpo, mesmo que virtual, sou livre de agir. Mesmo a quem contrapõe que nós queremos efectivamente fazer as coisas e não só ter a experiência de as fazer (como Robert Nozik), eu respondo que isso é uma questao que não existe: eu só sei que tenho as experiências que tenho pela percepção e razão, ora, se tudo isso esté no que é passado para o avatar da Matrix, não existe diferença detectável entre percepcionar uma experiência de forma virtualmente completa (como na Matrix) e ter a mesma experiência na RR! Basta poder escolher para escolher não me rebelar contra o sistema! "0 problema é a escolha", de facto!
Porém, devo concluir dizendo que este ponto de vista se aplica apenas ao carácter prático da Matrix. Toda a ideia de libertação da ignorância a que o filme incita é perfeitamente justificada para nós, como metáfora.

Prometeu
P.S. - Para mais informações e muitas páginas de ensaios de filosofia, consultem "What is the Matrix", site oficial do filme. Para além do mais, apreciaria quaisquer dúvidas/críticas sobre este ensaio ou tudo o relacionado, bem como sugestões sobre como o tornar um pouco mais acessível...

8 Comments:

Blogger anátema said...

Tenho um problema grave em relação a comentar o teu post: só vi o primeiro Matrix. ...Pois.:)
No entanto, afirmo peremptoriamente que fizeste aqui um excelente post. E afirmo-o não pelo trabalho hermeneutico em si, que não posso avaliar, mas pelo debate filosófico que propões.
Pela parte que me toca, a minha referência filosófica é o "redescoberto" Baruch Espinoza, o judeuzinho marrano, de pais portugueses, nascido na holanda, quase assassinado e perseguido freneticamente, que 400 anos após a sua morte encontra o século "certo". De platónica ou cartesiana tenho muito pouco. :))
Não creio num "mundo das ideias", inantingível, etc, nem na dicotomia emoção/razão (parece que o António Damásio também não). Esta metáfora do real vs virtual é, contudo, muito interessante.Penso que a realidade existe independentemente da percepção que dela possuimos e essa percepção (mais ou menos abrangente) é fulcral para o conhecimento; deste conhecimento, por sua vez, resultará uma maior liberdade. E a ser essa uma das interpretações possíveis do filme não tenho nada a objectar. Mas só isto daria pano para muitas mangas!
Vou cá voltar!

abraço
o uno e o multiplo

3:25 AM  
Blogger Daniel Cardoso said...

Neste caso, a dicotomia realidade vs virtual é por mim posta em causa, já que defendo que o virtual tem um estatuto de realidade próprio, não podendo ser descartado. O próprio filme se rebela um pouco contra esta ideia, já que no primeiro, Trinity diz a Neo "A Matrix não te pode dizer quem és." Considero isto pouco correcto. É na Matrix que os sujeitos recebem as suas experiências, e a Matrix constitui-se como um sistema separado (mas não independente) da RR, o que lhe dá o estatuto de RV para além das nossas percepções do que hoje em dia se chama realidade virtual. Para além disso, a proximidade entre a RR e a RV não permitem ignorar o peso desta última. O mesmo segue para a liberdade.
Porém, convém afirmar que existem ainda correntes filosóficas que fazem depender a existência e conteúdo do real da sua apreensão, apresentando argumentos um pouco mais idealistas do que qualquer outra coisa. Em relação às teorias platónicas, podemos encará-las como metáforas, ao invés de o tomarmos à letra, porque penso que faz bem às pessoas perceber que têm de acordar, por muito que isso lhes custe - e a nível político isto também se aplica.

Volta quantas vezes quiseres e eniqueçamos esta análise! Entretanto, aconselho veementemente a incursão ao site oficial, porque muitos bons ensaios estão lá!

Prometeu

3:36 AM  
Blogger Daniel Cardoso said...

Nota de última hora (4:08): fiz uma revisão do texto e corrigi alguns erros ortográficos misteriosos, que só ocorreram por causa do copy/paste e que não constavam do original...
Quero também referir que uma gestalt é uma forma percepcionada que é maior do que a soma das suas partes; este conceito é devido aos gestaltistas, psicólogos "pré-científicos".
Por fim, queria ir a votos numa questão: se soubessem que estavam dentro de uma Matrix e soubessem porquê, quereriam ficar ou sair? E, claro, porquê/porque não?

Saudações,
Prometeu

4:14 AM  
Anonymous Anônimo said...

tal como o pensamento é matéria da matéria e, portanto, um modo da natureza e não algo de separado, autónomo, também a realidade virtual, a diferença entre aquilo que percepcionamos e aquilo que é, existe apenas em função daquilo que há mas não apreendemos em toda a extensão. O erro não resulta de uma separação entre o corpo e a mente (os sentidos enganar-nos-iam), mas da incapacidade dos humanos em conhecer um objecto em toda a sua extensão, porque a experiência não é norma da verdade (nada se repete) e porque o conhecimento depende em grande parte da linguagem (a possibilidade de conhecer implica uma operação de interpretação e, portanto, de tradução de um modo da realidade para outro modo da mesma realidade).
As teorias platónicas têm como suposto a separação e a vida como produção da separação, postulando a estruturação necessária das coisas segundo hierarquias dispostas em cascata - de cima para baixo -, sendo o mais real igual ao mais abstracto e, portanto inalcançável. Como teorias do conhecimento são uma merda e dixem básicamente o seguinte: não há aquilo que há e há aquilo que não há; como suporte da prática política terão à sua conta a defesa da eugenia e do racismo, da necessidade da mentira, do poder absoluto da elite iluminada, enfim, sempre que Platão se engana a humanidade é feliz.

António

12:04 PM  
Blogger Daniel Cardoso said...

Também concordo que a teoria do conhecimento paltónico não serve de grande coisa, nem eu faço o seu apostulado aqui, visto que me debruço mais sobre o filme e sobre questões éticas (liberdade) e epistemológicas (a realidade da realidade), sendo que entro em divergência não só com a corrente mais aceite de interpretação do filme, como também com as próprias ideias platónicas. Quero porém fazer um reparo: as ideias de Platão têm, em primeiro lugar, de ser enquadradas num determinado quadro sócio-político; em segundo lugar, só uma interpretação viciada das ideias de Platão pode levar a tão odiosos caminhos. Se nos lembrarmos dessa mesma Alegoria, o iluminado tenta de facto encaminhar os outros para a luz do conhecimento. Além disso, todos nós temos necessidade de uma elite intelectual - nem que ela seja constituída por toda a população! Que bom seria se assim fosse... Negar as diferenças de potenciais e capacidades entre indivíduos é ridículo e anti-natural: não quero soar fascista, quero apenas dizer que temos (geneticamente e socialmente) predisposições diferentes consoante o nosso património genético e estímulos. É simplesmente impossível que qualquer mortal seja um Einstein ou um Mozart. Não podemos deixar que a ideia de "todos iguais" nos transforme numa amálgama uniformizada do estilo "pau para toda a obra". Se vamos por interpretações incorrectas de teorias, também podemos perseguir Charles Darwin e Nietzsche - Hitler apoiou-se nas ideias destes (mas de forma incorrecta e abusiva) para formular as suas próprias ideias.
Porém, e já referi isto, não desejo que se encare as teorias de Platão ipsis verbis, mas sim como uma forma simbólica de nos exortar à busca do conhecimento e ao crescimento pessoal.

1:19 PM  
Blogger tHe HeAdSHakEr said...

Nós somos nossos corpos ou que temos "dentro" deles, sejá lá o que for (mente, espírito, alma, chame como quiser)?
Aqui na RR, não seriam nossos corpos físicos - uma aglomeração de átomos assim como as composições de códigos binários na Matrix - apenas avatares que nos possibilitam interagir com o mundo físico?

3:47 PM  
Blogger Daniel Cardoso said...

Sermos os nossos corpos ou sermos "o que temos dentro deles" não é a mesma coisa.

Se somos efectivamente os nossos corpos, então somos também avatares de nós mesmos, e não avatares de uma ontologia fundamental ou transcendental. É precisamente na recusa dessa ontologia última que se vê que o primado do "real" sobre o virtual (ou vice-versa) é sempre escolher entre diferentes representações, e não entre a representação e a coisa em si.

3:52 PM  
Blogger tHe HeAdSHakEr said...

Deixe-me colocar de outra forma: se pudéssemos nos abster de nossos corpos (como o cérebro em conserva naquela comédia com Steve Martin) ainda seríamos nós mesmos, precisando apenas de outro corpo (outro avatar). Mas se nos abstivéssemos, digamos, de nossa "alma" (mente, espírito), o corpo serviria apenas como adubo, a despeito de uma possível doação de órgãos.

4:33 PM  

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