Casamento e poligamia - relações interpessoais revistas
Esta ideia já me tinha surgido há bastante tempo, mas só agora decidi passá-la do meu computador para os vossos. Fui em grande parte motivado inconscientemente pelo blog http://ounoeomultiplo.blogspot.com/, a quem presto o devido tributo, aconselhando a sua leitura diária como forma de enriquecer o espírito. Eu próprio sou um comentador assíduo d' O uno e o múltiplo. Isto porque num dos posts se fala do conformismo; e já demonstrei aqui que sou perfeitamente anti-conformista, pelo que este assunto calha mesmo bem. Quero apelar a todos vós para que deixem os vossos comentários, as vossas opiniões e críticas construtivas, às quais tentarei responder da melhor forma possível. Desde já os meus agradecimentos.
Vou passar agora à análise de um problema que poucos vêem como tal, já que este está tão embrenhado no tecido social que nos rodeia e é tão pouco questionado (e ao mesmo tempo tão desobedecido) que poucos são os que se apercebem de que constitui uma prática anti-natural e profundamente contraditória, geradora de problemas e de perturbações para os que são expostos às nefastas consequências deste mal social. Falo, como se denota pelo título, da monogamia.
A monogamia tem tradição ancestral na sociedade ocidental e, muito por influência dos padrões religiosos, tem sido mantida como algo normal e natural, sendo que se pode considerar que não é uma coisa nem outra. Em primeiro lugar, basta atentar no reduzidíssimo número de animais que mantêm, de facto, relações monógamas: a probabilidade de que fosse natural (biologicamente falando) os homo sapiens sapiens terem apenas relações monógamas é ínfima... Podemos também olhar para outras culturas, em que existem haréns e organizações de géneros diferentes do costumeiro homem/mulher (não que eu seja defensor deste tipo de “uniões”, uso-as apenas como exemplo). Ora, é para mim claro que esta escolha cultural radica na negação do prazer a que fomos sujeitos por acção maioritariamente religiosa! Não é o cristianismo a negação de todo e qualquer prazer, de um ascetismo ridículo e levado a um extremo quase insuportável para o humano? Por transmissão cultural e ideológica, todos somos habituados a que um homem se junte com uma mulher, e a que aí terminem as possíveis combinações de interacções sexuais permitidas... Porém, muito estranhamente, o fenómeno da poligamia tem vindo a tornar-se algo que se olha com cada vez maior indiferença, com o pequeno problema de que não se lhe chama poligamia, mas sim traição conjugal. Cada vez mais as pessoas que têm “casos”, como é vulgar dizer, são vistas de forma menos discriminatória, ou seja, a poligamia não está a ser aceite mas está a ser cada vez mais tolerada, porém, não é correctamente adjectivada. Como é claro, só quebrando algumas barreiras do estabelecimento e aplicação de conceitos é que se consegue romper com o politicamente correcto. É politicamente correcto horrorizarmo-nos perante o mero pensamento de poligamia, mas quando se ouve falar numa história de traição (e obrigatório comportamento polígamo) encolhem-se os ombros dos mesmos ouvintes. Interessante contradição – porque será que as pessoas se deixam guiar pelo politicamente correcto, porque será que é o conformismo tão querido à normalização que rege a mentalidade comum? Repare-se que muitas relações se deterioram porque uma das partes (ou mesmo as duas) se saturam. A saturação é consequência directa da exposição de duas pessoas uma à outra durante um espaço de tempo demasiadamente grande. Da mesma forma que a tudo o humano se habitua, como é costume dizer-se, também não é menos verdade que depressa o ser humano se enfada de quase tudo (e todos) os que se lhe apresentam durante tempo a mais. Falo aqui num “a mais” que tem o expressivo sentido ad nauseum.
Então, o que fazer para combater este problema? Como é natural, a única solução é mudar a mentalidade de grupo. Esta mudança gerará, por seu turno, uma mudança na legislação e uma mudança nos comportamentos. (Mudanças essas que são necessárias, porque numa sociedade dita “livre” e “liberal” a poligamia não tem qualquer cobertura legislativa: o que é que eu faço se estiver a viver em união de facto com mais do que uma pessoa?) Como já referi há pouco, não defendo haréns, em que um homem possui várias mulheres. O que eu defendo é uma liberalização dos relacionamentos (não só sexuais, claro) entre as várias pessoas. Isto geraria situações de equilíbrio e diminuiria os problemas conjugais e de relacionamentos interpessoais. Exemplifico: se dois homens estivessem interessados numa mesma mulher e esta estivesse indecisa entre um e outro, porque é que, ao invés de ter de optar, não iniciaria uma relação com cada um deles, de forma aceite e reconhecida? Ou, melhor ainda, porque não iniciariam os três uma relação? Toda a problemática do ciúme teria tendência a desaparecer, pois seria culturalmente normal que uma pessoa tivesse relações amorosas com várias pessoas, ou que várias pessoas estivesse envolvidas numa mesma relação. Não existiria traição porque as regras excluiríam o conceito, seria um conceito vazio, que nada abrangeria – ah, a beleza do conceito de relatividade dos comportamentos desviantes é esta! Por outro lado, julgo que se verificaria uma diminuição do recuso à prostituição: muitos a ela recorrem porque estão insatisfeitos com as suas relações legítimas; ora, com o alargamento de “relação legítima” (alargamento ad infinitum, no qual se entende todas as relações), o leque de possibilidades estaria muito mais alargado e permitiria, por consequência, a diminuição deste fenómeno, ou, no mínimo, dos clientes que a ele recorrem. Portanto, vários são os problemas resolvidos, encarando as coisas desta perspectiva!
Um problema surge perante este cenário de felicidade e libertação: tal esquema social iria abalar e perturbar uma venerável e antiquíssima instituição, base do funcionamento da dita sociedade, considerada um ponto de referência para quase todos e o desejo de muitos. Traduzindo: o casamento... Ah... que pena! Isso não é, de forma alguma, uma contra-argumentação! Pelo contrário, isso faz parte da argumentação. No esquema que proponho (e mesmo no já existente) que sentido faz o casamento? É a assinatura de dois nomes num papel ou uma cerimónia, quando a há, que vai alterar completamente o sentimento entre as pessoas? Precisamos ainda deste rito de passagem? Lembremo-nos que o casamento é uma instituição eminentemente religiosa; que marcava, em tempos idos, a junção de dois amados no leito conjugal, o começo de uma vida a dois, a desfloração mútua. Ora, como sabeis, isso são perfeitos disparates na actualidade – já quase ninguém espera pelo casamento para ir viver com a outra pessoa, ou sequer para iniciar a sua vida sexual! Então, para quê manter uma prática que já perdeu o seu simbolismo? Pode-se sempre dizer que representa a dedicação de uma pessoa a outra e vice-versa... Mas aí tenho de contrapor que é sob essa perspectiva que o casamento se apresenta ainda mais abominável: aquilo que está mascarado de “entrega” não passa, na realidade, de um contrato de posse de uma pessoa sobre outra e vice-versa. Ora, considerando que é razoável pensar que ninguém tem o direito de possuir outra (a escravatura, “sob todas as suas formas”, diz a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão, é proibida), e por isso recusei os haréns como forma de organização da vida familiar, não se compreende que se avance para um tal contrato de sorriso nos lábios. Acaso é alguém digno de possuir direitos sobre outra pessoa daquela forma? É nisto que radicam os abusos de poder dentro de uma relação: na posse que o casamento confere e é. Porque será que as feministas nunca se lembraram disto? Também elas acabam por estar normalizadas...
Assim, abulamos este vil contrato e recusemos a monogamia; eis um começo da libertação da mui degradada e antiquada mentalidade ocidental. Comecemos a pensar segundo novos moldes para, através deles e por nós, moldarmos a sociedade que somos.
Recordo que todos os comentários construtivos são apreciados. Obrigado. Para uma leitura de lazer que pode dar uma outra perspectiva sobre este assunto, e que me serviu como musa, aconselho o livro "Um estranho numa terra estranha" de Robert A. Heinlein.
Vou passar agora à análise de um problema que poucos vêem como tal, já que este está tão embrenhado no tecido social que nos rodeia e é tão pouco questionado (e ao mesmo tempo tão desobedecido) que poucos são os que se apercebem de que constitui uma prática anti-natural e profundamente contraditória, geradora de problemas e de perturbações para os que são expostos às nefastas consequências deste mal social. Falo, como se denota pelo título, da monogamia.
A monogamia tem tradição ancestral na sociedade ocidental e, muito por influência dos padrões religiosos, tem sido mantida como algo normal e natural, sendo que se pode considerar que não é uma coisa nem outra. Em primeiro lugar, basta atentar no reduzidíssimo número de animais que mantêm, de facto, relações monógamas: a probabilidade de que fosse natural (biologicamente falando) os homo sapiens sapiens terem apenas relações monógamas é ínfima... Podemos também olhar para outras culturas, em que existem haréns e organizações de géneros diferentes do costumeiro homem/mulher (não que eu seja defensor deste tipo de “uniões”, uso-as apenas como exemplo). Ora, é para mim claro que esta escolha cultural radica na negação do prazer a que fomos sujeitos por acção maioritariamente religiosa! Não é o cristianismo a negação de todo e qualquer prazer, de um ascetismo ridículo e levado a um extremo quase insuportável para o humano? Por transmissão cultural e ideológica, todos somos habituados a que um homem se junte com uma mulher, e a que aí terminem as possíveis combinações de interacções sexuais permitidas... Porém, muito estranhamente, o fenómeno da poligamia tem vindo a tornar-se algo que se olha com cada vez maior indiferença, com o pequeno problema de que não se lhe chama poligamia, mas sim traição conjugal. Cada vez mais as pessoas que têm “casos”, como é vulgar dizer, são vistas de forma menos discriminatória, ou seja, a poligamia não está a ser aceite mas está a ser cada vez mais tolerada, porém, não é correctamente adjectivada. Como é claro, só quebrando algumas barreiras do estabelecimento e aplicação de conceitos é que se consegue romper com o politicamente correcto. É politicamente correcto horrorizarmo-nos perante o mero pensamento de poligamia, mas quando se ouve falar numa história de traição (e obrigatório comportamento polígamo) encolhem-se os ombros dos mesmos ouvintes. Interessante contradição – porque será que as pessoas se deixam guiar pelo politicamente correcto, porque será que é o conformismo tão querido à normalização que rege a mentalidade comum? Repare-se que muitas relações se deterioram porque uma das partes (ou mesmo as duas) se saturam. A saturação é consequência directa da exposição de duas pessoas uma à outra durante um espaço de tempo demasiadamente grande. Da mesma forma que a tudo o humano se habitua, como é costume dizer-se, também não é menos verdade que depressa o ser humano se enfada de quase tudo (e todos) os que se lhe apresentam durante tempo a mais. Falo aqui num “a mais” que tem o expressivo sentido ad nauseum.
Então, o que fazer para combater este problema? Como é natural, a única solução é mudar a mentalidade de grupo. Esta mudança gerará, por seu turno, uma mudança na legislação e uma mudança nos comportamentos. (Mudanças essas que são necessárias, porque numa sociedade dita “livre” e “liberal” a poligamia não tem qualquer cobertura legislativa: o que é que eu faço se estiver a viver em união de facto com mais do que uma pessoa?) Como já referi há pouco, não defendo haréns, em que um homem possui várias mulheres. O que eu defendo é uma liberalização dos relacionamentos (não só sexuais, claro) entre as várias pessoas. Isto geraria situações de equilíbrio e diminuiria os problemas conjugais e de relacionamentos interpessoais. Exemplifico: se dois homens estivessem interessados numa mesma mulher e esta estivesse indecisa entre um e outro, porque é que, ao invés de ter de optar, não iniciaria uma relação com cada um deles, de forma aceite e reconhecida? Ou, melhor ainda, porque não iniciariam os três uma relação? Toda a problemática do ciúme teria tendência a desaparecer, pois seria culturalmente normal que uma pessoa tivesse relações amorosas com várias pessoas, ou que várias pessoas estivesse envolvidas numa mesma relação. Não existiria traição porque as regras excluiríam o conceito, seria um conceito vazio, que nada abrangeria – ah, a beleza do conceito de relatividade dos comportamentos desviantes é esta! Por outro lado, julgo que se verificaria uma diminuição do recuso à prostituição: muitos a ela recorrem porque estão insatisfeitos com as suas relações legítimas; ora, com o alargamento de “relação legítima” (alargamento ad infinitum, no qual se entende todas as relações), o leque de possibilidades estaria muito mais alargado e permitiria, por consequência, a diminuição deste fenómeno, ou, no mínimo, dos clientes que a ele recorrem. Portanto, vários são os problemas resolvidos, encarando as coisas desta perspectiva!
Um problema surge perante este cenário de felicidade e libertação: tal esquema social iria abalar e perturbar uma venerável e antiquíssima instituição, base do funcionamento da dita sociedade, considerada um ponto de referência para quase todos e o desejo de muitos. Traduzindo: o casamento... Ah... que pena! Isso não é, de forma alguma, uma contra-argumentação! Pelo contrário, isso faz parte da argumentação. No esquema que proponho (e mesmo no já existente) que sentido faz o casamento? É a assinatura de dois nomes num papel ou uma cerimónia, quando a há, que vai alterar completamente o sentimento entre as pessoas? Precisamos ainda deste rito de passagem? Lembremo-nos que o casamento é uma instituição eminentemente religiosa; que marcava, em tempos idos, a junção de dois amados no leito conjugal, o começo de uma vida a dois, a desfloração mútua. Ora, como sabeis, isso são perfeitos disparates na actualidade – já quase ninguém espera pelo casamento para ir viver com a outra pessoa, ou sequer para iniciar a sua vida sexual! Então, para quê manter uma prática que já perdeu o seu simbolismo? Pode-se sempre dizer que representa a dedicação de uma pessoa a outra e vice-versa... Mas aí tenho de contrapor que é sob essa perspectiva que o casamento se apresenta ainda mais abominável: aquilo que está mascarado de “entrega” não passa, na realidade, de um contrato de posse de uma pessoa sobre outra e vice-versa. Ora, considerando que é razoável pensar que ninguém tem o direito de possuir outra (a escravatura, “sob todas as suas formas”, diz a Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão, é proibida), e por isso recusei os haréns como forma de organização da vida familiar, não se compreende que se avance para um tal contrato de sorriso nos lábios. Acaso é alguém digno de possuir direitos sobre outra pessoa daquela forma? É nisto que radicam os abusos de poder dentro de uma relação: na posse que o casamento confere e é. Porque será que as feministas nunca se lembraram disto? Também elas acabam por estar normalizadas...
Assim, abulamos este vil contrato e recusemos a monogamia; eis um começo da libertação da mui degradada e antiquada mentalidade ocidental. Comecemos a pensar segundo novos moldes para, através deles e por nós, moldarmos a sociedade que somos.
Recordo que todos os comentários construtivos são apreciados. Obrigado. Para uma leitura de lazer que pode dar uma outra perspectiva sobre este assunto, e que me serviu como musa, aconselho o livro "Um estranho numa terra estranha" de Robert A. Heinlein.
2 Comments:
Haja alguém a fugir à trivialidade!
Ainda esta tarde alguém me dizia: a ideologia mata o pensamento, a razão. Também o preconceito e a moral - acrescento eu - produtoras de cultura, normalizadoras dos costumes e, inevitavelmente, só por si, produtos meramente ideologicos.
Não recear questionar o preconceito é um primeiro passo para o matar e, portanto, um primeiro passo para a nossa própria libertação. Só por isso,o que, acreditem, já é mesmo MUITO, os meus enormes parabéns ao Prometeu. Acontece que questionar os preconceitos, os fundamentos históricos da nossa cultura, as motivações tantas vezes socio-económicas de determinadas normas morais implica questionar o todo; e nós sabemos bem como essa atitude acaba por isolar os que ousam pensar. Ora o humano enquanto ser gregário adoptará muito mais facilmente os valores dominantes que lhe permitam a melhor integração social possível. Como quem diz "antes mal acompanhado que só". Mesmo que isso implique alguma hipocrisia da sua parte. Mesmo que a sua conduta negue os valores que defende, escuda-se neles para manter uma máscara socialmente aceite. Essa é outra expressão do conformismo: o homem que apenas quer ser (ou quer parecer ser, porque acha que deve ser) NORMAL (e a palavra normal, como sabes, vem de norma). Recordo-me, a propósito, do romance de Alberto Moravia intitulado "O Conformista".
Portanto, só a acção (sempre o agir colectivo à frente de tudo) só a acção individual, cada vez mais alargada aos variados estratos da população poderá transformar em nova norma cultural aquilo que antes era severamente condenado. Foi assim com o divórcio, por exemplo, hoje perfeitamente banalizado.Mesmo que essa acção não seja fruto do trabalho intelectual de inquirição dos fundamentos de uma determinada norma; basta que tal norma já não se adeque esmagadoramente para a quase totalidade das pessoas. Elas continuarão a não pôr em causa a norma - per si - mas apenas uma determinada norma, em particular.
Creio que a monogamia, muito provavelmente, será uma prática extinta no futuro. Do mesmo modo que a estrutura familiar de hoje nada tem em comum com a de há dois ou três séculos.
A família monogâmica, como é hoje sobejamente conhecido, tem nas suas origens fortes motivações sociais (de preservação do grupo) e económicas também, logo, políticas. Mas essa é uma realidade em transformação. Como tudo o mais, aliás.
Parabéns ao Prometeu pelo post.
No fundo, creio que essencial mesmo é compreendermos que nada mata mais que o preconceito.
Aliás, por trás de cada arma está um preconceito para terminar citando o amigo que inicialmente mencionei.
Um grande abraço,
o uno e o múltiplo
PS - Como repararam, não tenho nada contra a poligamia. Tenho tudo contra o preconceito - seja ele qual for.
Parabéns mais uma vez ao grande blog que é "o uno e o múltiplo"; e mais uma vez se pode ver que existe realmente uma certa elite disposta a avançar contra o preconceito e contra a suposta normalidade.
Só como adenda ao post, devo referir que alguns cientistas pensam que o próprio ciúme tenderá a desaparecer com o tempo, virtude da evolução. Porque não começar a fazê-lo desaparecer já. Podendo prever o futuro, porque não trabalhamos para transformar o futuro no nosso presente?
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