Ainda o 25 de Abril
Eu juro-vos que sinceramente não queria escrever mais nada sobre isto, fora o que já tinha aqui posto. Só que fiz uma coisa pela primeira vez que me marcou seriamente para o resto da minha vida inteira e que me força a vir aqui fazer um post sobre isso mesmo. Portanto, desculpem lá se eu estou a escrever mais do que a conta, mas tem mesmo que ser.
Começo da história: eu fui à manifestação do 25 de Abril. Fim da história: nunca mais lá volto. "Porquê?", perguntam vocês. "Então não és um gajo a favor das revoluções e que pensa que a revolução dos cravos nem sequer chegou a meio?", perguntam vocês. "Ou será por isso mesmo que nunca mais vais?", perguntam vocês.
E eu respondo. Não, não é por isso. Simplesmente penso que o espírito da Revolução, aquele que levou os militares a arriscar as suas vidas, que levou tantas pessoas a sair de casa com um futuro incerto pela frente, está oficialmente morto e enterrado. E depois de uma afirmação como esta, é óbvio que tenho que me explicar. Eu não sabia, mas claro que isto vai ser informação redundante para muita gente, que aquela manifestação é completamente dividida e segmentada segundo os grupos que lá se encontram representados. Em segundo lugar, considero perfeitamente ofensivo que se vá para a comemoração de um evento com reivindicações mais ou menos corriqueiras. Ainda pior do que isso é ver um mini desfile de samba no meio de uma manifestação comemorativa do 25 de Abril. Simplesmente ultrajante, descabido e ridículo. Depois vêm os discursos da praxe, no fim... A representante da juventude estava de facto com umas folhitas de papel em que alguém tinha escrito um discurso qualquer para ela ler, tarefa em que falhou redondamente! A paixão é tanta que nem ler um discursozeco de algibeira conseguem!!
Portanto, o espírito deste dia morreu. Alguns ainda o têm dentro de si, sem dúvida. Mas, no geral, morreu.
Os meus pêsames,
Prometeu
Começo da história: eu fui à manifestação do 25 de Abril. Fim da história: nunca mais lá volto. "Porquê?", perguntam vocês. "Então não és um gajo a favor das revoluções e que pensa que a revolução dos cravos nem sequer chegou a meio?", perguntam vocês. "Ou será por isso mesmo que nunca mais vais?", perguntam vocês.
E eu respondo. Não, não é por isso. Simplesmente penso que o espírito da Revolução, aquele que levou os militares a arriscar as suas vidas, que levou tantas pessoas a sair de casa com um futuro incerto pela frente, está oficialmente morto e enterrado. E depois de uma afirmação como esta, é óbvio que tenho que me explicar. Eu não sabia, mas claro que isto vai ser informação redundante para muita gente, que aquela manifestação é completamente dividida e segmentada segundo os grupos que lá se encontram representados. Em segundo lugar, considero perfeitamente ofensivo que se vá para a comemoração de um evento com reivindicações mais ou menos corriqueiras. Ainda pior do que isso é ver um mini desfile de samba no meio de uma manifestação comemorativa do 25 de Abril. Simplesmente ultrajante, descabido e ridículo. Depois vêm os discursos da praxe, no fim... A representante da juventude estava de facto com umas folhitas de papel em que alguém tinha escrito um discurso qualquer para ela ler, tarefa em que falhou redondamente! A paixão é tanta que nem ler um discursozeco de algibeira conseguem!!
Portanto, o espírito deste dia morreu. Alguns ainda o têm dentro de si, sem dúvida. Mas, no geral, morreu.
Os meus pêsames,
Prometeu
47 Comments:
Eu também não gostei nada daquela escola de samba... E também não gostei, no geral, do que vi. Mas parece que tanto eu como tu só fomos mesmo ver! Fazer,'tá quieto. Depois queixamo-nos... O "espírito" de Abril, que para mim representa a vontade de mudança, a percepção da necessidade desta e a contribuição activa para a mesma (não necessariamente por esta ordem) exige mais de nós. Exige que não nos limitemos e ir, ver e dizer "não gostei" e "não volto cá mais". Não estaremos, assim, a ser iguais aos tais que "criticamos"?
E para terminar, só uma dúvida: como sabes que não foi a rapariga que escreveu o próprio discurso?
Salma
Eu fui para lá com vontade de gritar, de protestar, de afirmar a conquista de alguma e relativa liberdade e nunca encontrei ambiente tão pouco propício. Se o 25 de Abril se encontra representado por aquele tipo de espetáculo decadentista, repudio qualquer vínculo com o dito cujo espetáculo.
Em relação ao discurso, eu até admito que ela o possa ter escrito, mas se assim foi, então simplesmente não tem jeito nenhum para escrever discursos e muito menos para os ler; o facto de ela o ter escrito apenas pioraria a minha imagem dela - Abril não se fez à força de demagogia, retórica e expressões linguísticas complexas. O "espírito de Abril" está tão vivo naquelas pessoas que têm que ter discurso (mal) ensaiado?
Prometeu
"A Revolução não se faz contigo no sofá": lembras-te do cartaz que vimos? Sim, eu também estou desiludida, aquele não é o "meu" 25 de Abril. Mas tal como ontem me disse aquele nosso "mentor" (sabes que odeio a palavra...), isso "cheira a desencanto pequeno-burguês", e "não deve haver lugar a desfalecimentos". Aquilo que vimos não foi o que queríamos? Não, realmente não foi. Então resta-nos a nós, Filhos de Abril, fazer a Revolução! Nem que seja só assim, protestando num blog...
Juntem-me a um grupinho de descontentes deste regime e a umas armas automáticas e eu digo-te o "protestar num blog" hehe...
Ele a mim disse-me a mesma coisa... mensagem em duplicado, parece! ;)
Prometeu
Comenta o meu post de 22/4, please!
Prometeu
que revolução é essa, não a que a ficou a meio: a completa?
DLM
Aquela em que o poder seja por fim igualitariamente distribuído, em que se acabem com os oligopólios e as injustiças em nome de um falso deus (o capital).
Prometeu
És idealista demais, Prometeu... É característica inerente ao Homem o seu gosto pelo poder, o seu gosto pelo capital... Como diria Albert Camus num dos seus livros, isso é combater com uma arma branca um mar de metralhadoras...
Então eu, como tantos outros, não somos humanos? O idealismo não passa, neste caso, de uma ideia de difícil realização. Reconheço-o. Mas passar da extrema dificuldade à impossibilidade requer um passo que não pode ser dado.
Prometeu
São humanos, sim... Só que há humanos para tudo: humanos para idealismo, humanos para rendidos ao capital. Os primeiros são os mais jovens; os segundos, são aqueles que já foram jovens e idealistas, mas agora são velhos e rendidos.
Como explicas o caso dos que são velhos e ainda não se renderam realmente? E se todos nos iremos render, como pareces defender, qual é o objectivo de nos insurgirmos? Sim, porque afinal de contas um blog é uma insurreição, dentro dos seus próprios parâmetros.
Não será essa uma atitude demasiado niilista?
Prometeu
Quanto ao caso dos que são velhos e ainda não se renderam realmente, são porventura casos marginais. A excepção confirma a regra.
Sim, rendemo-nos [quase] todos um dia.Mas sempre que nos rendemos trazemos um acervo de ideias inovador que nos foi implantado na juventude. E assim gira o eterno devir. Agora, se olhares para a História da humanidade, só podes concordar comigo numa coisa: fosse qual fosse a organização do Estado, o lugar do planeta, a aldeia, a vila, a cidade, o capital esteve sempre presente. Sempre. Sim, tenho uma atitude que acaba em ista. Mas não é nihilista: é realista. Os nossos blogs, as nossas pequenas insurreições, apenas fazem parte de um mundo dominado pelo capital.
O capital sempre esteve presente, mas será que isso quer dizer que a luta por mais capital e o querer infinitamente mais capital, para além de o querer pelo gosto do controlo que com ele se pode exercer, é algo inultrapassável?
Prometeu
Mais uma vez, olha para a História. Alguma vez o foi (inultrapassável)? Alguma vez o é? Alguma vez o será? Aposto que não. Está inscrito no ADN e, por mais que o laves, não sai. Podemos apenas ir melhorando. É tudo quanto está ao nosso alcance.
Reconhecendo a validade do que tu dizes, lembro ainda assim que a História costuma frustrar o cepticismo. Todas as coisas que se diz não poderem ser feitas acabam por ser feitas. Isso não quer dizer já e agora, mas no futuro. Porque a melhoria nos podera um dia levar a um tal estado. Especialmente se mostrarmos alguma ética e integridade para com os nossos princípios e se tivermos a força de nos unirmos.
Prometeu
Pedro
bom, talvez seja uma excepçao, mas não tenho(quase) nada contra o grande capital, nem sequer contra as pequenas quantias
Prometeu
o Homem, de um modo geral, move-se por interesses individuais, numa escala ascendente que começa na sobrevivencia e termina no prestigio e no poder. E os modelos (fascismo, comunismo, nazismo, etc) que visam ou visavam justamente deter ou domesticar o comportamento humano falharam estrondosamente
DLM
Eu estou familiarizado com a pirâmide das necessidades de Maslow (que, por acaso, termina na necessidade de auto-realização), mas isso não quer dizer que o humano seja incapaz de se orientar sem o Estado-Pai.
A auto-realização pessoal faz parte de e contribui para uma hetero-realização social geral.
Devo também lembrar que a URSS ou a China nunca foram comunistas: o Estado nestes países nunca foi abolido e esse era um ponto fulcral nas teorias de Marx que parece ter sido convenientemente esquecido. Além disso, todos esses regimes falharam por tentarem monopolizar o que não podia ser monopolizado. Assim, abdicar por completo do monopólio traria uma estabilidade perfeitamente dinâmica à sociedade, numa espécie de equilibração [conceito piagetiano] adaptada ao funcionamento do corpo social.
Prometeu
Sim, é verdade, a História costuma frustar o cepticismo. Mas, até ao presente momento, por mais idealismos que tenham acontecido ao longo dos tempos (e foram muitos), até ao presente momento, dizia, a verdade é que o capital foi pai e mãe de todos dias. Quanto à melhoria, essa leva-nos a 'estados' cada vez mais evoluídos, é certo. Mas a evolução da História tem-nos dito que evolui para 'estados' cada vez mais dependentes do capital. A própria dinâmica das sociedades hodiernas, na sua correria tecnológica e consumista, a isso o conduz. Inevitavelmente. Esta é apenas a minha humilde previsão.
Pedro,
Em primeiro lugar, quero notar que a minha opinião não é nem pode ser per si mais acertada ou válida do que a tua, estamos apenas a debater pontos de vista.
Em relação à dependência do capital, concordo que essa tenha sido a tendência histórica; mas já muito recentemente se tem previsto também o colapso do sistema capitalista, ainda mais enveredando pelo neo-liberalismo... [Cf. "Manifesto Contra o Trabalho"]
Mas como se avalia algo que nunca existiu?
Prometeu
dlm
Bem o sei, porém a Marx faltavam dados para o afirmar; ele julgava que tudo iria suceder rapida e naturalmente. Aparentemente as coisas não são vistas dessa forma na actualidade. Aconselho vivamente a leitura daquele link que deixei.
Prometeu
dlm
E quem foram esses? Lenine? Estaline? Krustchev? Mao Tze-Tung? Todos ditadores, companheiros de espírito de Hitler e amigos, apenas com a desculpa de que estavam do outro lado do espectro político. Todos eles monopolistas do poder. Marx estaria a dar voltas na campa se soubesse o que todos esses facínoras fizeram. De forma alguma podem servir para ajuizar o comunismo, o verdadeiro.
Prometeu
O comunismo verdadeiro choca com a ambição, choca com o desejo, com a vontade de possuir, choca com tudo o que é humano - em poucas palavras, choca com o instinto. O tal instinto tatuado no ADN que por mais que se esfregue não sai. O Homem tem de ter. É inerente a ele.
O comunismo verdadeiro não choca com o desejo de ter, choca com o desejo de ter demais. E não choca também com o desejo de viver em sociedade e de ser aceite, não choca com o respeito pela vida humana e pelos seres humanos. Além disso, o Estado-Pai também choca contra o desejo de liberdade e poucas pessoas se queixam, apenas porque estão atordoadas demais. O que acontece quando acordarem?
Prometeu
Esse Homem novo apenas o posso sacar do mundo das ideias, da utopia. Na vida prática, é impossível que todos pensem assim. O Homem não se contenta com pouco. quer sempre mais. E, por mais que em certo período histórico haja um punhado de pessoas bem intencionadas, não passará sempre de excepção que confirma a regra. O instinto humano, o instinto humano...
A ambos,
Esse "Homem novo" não precisa de ser despojado da sua individualidade. Esse Homem não precisa de ser um super-homem, nem precisa de vir do mundo das fábulas.
Precisa apenas de se cultivar. Precisa de perceber uma coisa: por muito que ambições, ódios e egoísmos façam parte de nós, teremos de saber estabelecer uma distinção entre as nossas vidas privadas, as nossas vidas pessoais, e aquilo que queremos que a sociedade seja. Eu também não sou desprovido de ódios, e ainda assim consigo perceber intelectualmente que a sociedade não pode ser conduzida à base de ódio. Tenho algumas (muito poucas) ambições, mas percebo intelectualmente que as minhas ambições não podem ser tais que possam prejudicar as outras pessoas, pelo facto de não terem mais ou menos legitimidade que as minhas.
Em termos de impossibilidade, quando uma coisa é impossível, existem 0 ocorrências dessa mesma coisa. O que quer dizer que não se verifica a impossibilidade. Dificílimo lá chegar? Nunca o neguei. Impossível? Não.
Prometeu
duas coisas rapidas:
1º ideias e modelos politicos que visam organizar sociedades adaptam-se à natureza humana, não o contrario
2º as tuas certezas (agora solidas) a seu tempo estarão feitas em pó
DLM
Na impossibilidade de comentar o segundo ponto, comentarei apenas o primeiro. Se o verdadeiro espírito humano é a permanente insatisfação e vontade de se superar e ser cada vez mais "perfeito", um modelo de organização social que potencie as suas capacidades individuais e que afirme com convicção a sua individualidade não poderá nunca ser contra natura. Além de que a sociedade é sempre artificial, nunca natural.
Prometeu
Mais uma vez: a natureza humana, é verdade, tem o seu quê de permanente insatisfação e de vontade de aperfeiçoamento. Mas esta é apenas uma dimensão da natureza humana a par de outras: ambição, atracção pelo poder, vontade de possuir. Ontem, agora, sempre. E concordo com o DLM quando diz que as tuas certezas estarão desfeitas em pó a seu tempo. Por mais bondade que tenha o teu pensamento, ele não será nunca partilhado por toda a Humanidade.
Pedro,
Não nego jamais essas facetas da psique humana, mas acredito também que eventualmente as pessoas acreditem que os outros são tão importantes como nós mesmos.
E ficarei ainda assim com a certeza de que deixei uma ideia a germinar. Sejam quais forem os resultados.
Prometeu
Só posso esperar que estejas certo.
DLM e Pedro,
Quero agradecer a ambos este interessantíssimo debate. Enquanto as ideias e os ideiais não morrerem, permaneceremos sempre a tempo de lutar mais um pouco. Saudações fraternais.
Prometeu
Errata: leia-se "ideais".
Prometeu
Bem esta discussão está excelente. Mas queria perguntar porque é que nenhum de vocês já pensou que o individualismo pode ser uma solução para uma sociedade mais cooperativa? Alcançar o nosso potencial individual pode ser a melhor maneira de contribuir-mos para a sociedade. Claro que depois podemos sempre usá-lo egoistamente mas também podemos sempre pô-lo sempre ao serviço da sociedade.
É nestes casos que sempre me lembro de Buda. Nada é bom ou mau tudo depende da maneira como o usamos. O bem ou o mal apenas reside em nós.
É por isso que o meu ideal é "Uma moral individual mas com uma consciência universal"
Cumprimentos a todos
Mas a minha ideia não vai de forma nenhuma contra isso. Só pelo desenvolvimento de cada um de nós conseguiremos desenvolver a sociedade. Aliás, é necessário que todos sejamos independentes para que se consiga abolir o Estado: de outra forma, criaremos apenas inadaptados e dependentes de estruturas de dominação.
Prometeu
Caro Prometeu
Apenas me pareceu na vossa discussao que querem mais apontar modelos e o meu ponto de vista é que o único modelo é a total liberdade do individuo na busca do seu próprio modelo. Um pouco ao jeito do método de Descartes.
Cumprimentos
Mas o indivíduo, apesar de poder toda a liberdade do mundo, precisará sempre de se articular com os outros indivíduos numa vivência social. Isso pressupõe um modelo e uma forma de organização, por mais descentralizada que seja. O interesse pessoal puro e simples pode muitas vezes descambar para o interesse egoísta, já que se torna muito fácil esquecer que os outros cabem também no que deveriam ser os nossos alvos de interesse e defesa.
Prometeu
Caro Prometeu
É aí que entra a moral individual com uma consciência universal.
Mais importante ainda, na minha opinião, é o facto do individuo ao se desenvolver compreender que não é um sistema fechado e totalmente independente mas sim uma parte ínfima de algo muito maior que ele próprio. No fim a cooperação e interacção com tudo o que faz parte do seu universo é essencial ao continuo desenvolvimento do indíviduo. Tipo feedback positivo através duma consciencialização total. Talvez esta nossa discordância esteja apenas o facto de eu ser um pouco mais optimista que tu. Eu acredito que todos temos o mesmo potencial e capacidade para agir correctamente. Apenas precisamos de oportunidade e de um método individualizado que temos de procurar dentro de nós próprios.
Pois, mas o anarquismo, i.e., a sociedade idlica que pauta pela ausencia de estado, falha no mais elementar.
Se o arbitrio torna os individuos radicalmente distintos, a ausencia do estado só pode tornar as sociedades radicalmente injustas
O individuo não é naturalmente mau, mas tb não é naturalmente bom.
Na ausencia do estado, quem executa a justiça?
A titulo de exemplo, o prometeu nunca gostou de x, o que o impede de assaltar a casa ao x, desmanchar a mobilia e partir-lhe ambas as pernas?
NeuroGlider,
Sim, talvez seja apenas isso. Mas note-se que eu não digo que é impossível o ser humano lá chegar, apenas que é muito difícil.
DLM,
Tomando o fio à meada do acima dito, aquilo que me impede de fazer tudo isso é a minha ética. Daí que eu tenho dito ao longo destes comentários que primeiro será necessário educar/emancipar realmente a sociedade e apenas depois se pode avançar para um tal projecto político.
Prometeu
DLM,
P.S. - O comunismo também advoga uma sociedade sem Estado.
Prometeu
Caro Prometeu
Talvez por ser biologo molecular e ver todos os dias como os diferentes agentes biologicos agem para permitir a vida de uma celula ou organismo é que penso como penso. Nada impede os diferentes componentes de "fazerem o que querem" (aliás isso é o que torna uma celula cancerigena - o "egoismo" de um dos seus constituintes) mas raramente isso acontece. É como se todos os constituintes tivessem exacta consciencia do seu papel e cumprem-no atingido o seu maximo potencial no processo. Num outro plano mais alargado vejo o mesmo na savana africana ou qualquer outro ecossistema. O leão caça os bufalos velhos ou com problemas de saúde e assim subsiste e ajuda os bufalos a terem mais hipoteses de sobrevivencia ao mesmo tempo. Repara os leões não matam todos!
Eu por vezes penso que quando ganhamos (espécie humana) a consciencia de nós próprios (para mim o traço que verdadeiramente nos distingue de todos os outros ser vivos) perdemos essa consciencia inata de perceber-mos o nosso verdadeiro papel na vida. Mas concordo em absoluto contigo. É dificil um individuo alcançar esse objectivo, talvez não por si mas por todas as ficções sociasi que a nossa sociedade nos condiciona e que nos afastam de nós mesmos.
Caro dlm
O nosso porblema aqui é que pensamos que a liberdade é fazer aquilo que nos apetece mas é muito mais que isso. Ser livre é ser consciente. Na sua situação hipotética se o Prometeu nao gostar de x e querer prejudica-lo pode sempre faze-lo. Mas também pode sempre pensar que muito embora o possa fazer o que irá ele realmente ganhar com isso? Será que a justiça não pode ocorrer logo na mente de cada um de nós antes de fazer seja o que fôr? È aí que a consciencia e a ética entram e nos ajudam. Podes não gostar de alguém mas tentar destruir esse alguém não vai melhorar as coisas. O melhor é sempre ignorar. Mas caro dlm isto é acima de tudo um problema cultural e educacional.
Cumprimentos a ambos
Prometeu
Uma declaração de bons principios não chega.
Alias, serve rigorosamente para nada.
Estivesse o prometeu vencido, na disputa pelos favores sexuais da joana com o x, provavelmente não racharia a cabeça ao x, mas fosse lhe a façanha "injusta" (e aqui ignoro o miolo da estoria e deixo ao criteio da vossa imaginação), a proxima vez pensaria no caso.
Para ambos
Os valores e a etica não são universais. Pelo contrario, basta ver que os meus valores e os vossos são radicalmente diferentes. Mesmo entre vocês muito provavelmente há diferenças. Nesta ordem de ideias os valores de um muçulmano são difrentes de um cristao, e os valores de um cristao são diferentes de um ateu.
Concedo, viver em sociedade implica a submissão voluntaria a determinadas regras (e os valores são representações morais dessas regras). No entanto, mesmo com as forças dissuasoras do estado continua haver crime, e violações barbaras ao que podemos chamar valores comuns. Numa sociedade despida de estado, o individuo acicatado pelas paixoes e sem a persuasão da justiça(nem divina nem terrena) será mais propenso ao crime.
Ao fim ao cabo, não há etica que sobreviva. Porque em ultima instancia, o que faz valer a paz possivel é o temor à justiça
Mais um coisa, a educação aos nossos valores, aos "bons" valores, sejam eles quais forem, implica a bom rigor sempre alguma forma de totalitarismo
DLM,
O cumprimento das normas devido ao medo da punição não é uma posição ética, mas sim uma posição moral. O crescimento ético do sujeito implica auto-reflexão e implica que o sujeito chegue a conclusões suas, independentes de credo e religião, de sociedade ou outras coisas. Os valores a que o sujeito assim chega são parte de si mesmo, e ele em princípio ater-se-á a eles. Tal como disse o NeuroGlider, é mais por termos ganho capacidade de auto-reflexão que perdemos a ideia de como nos enquadrarmos num habitat, mesmo que artificial como a sociedade. Mas de alguma forma temos que conseguir fazê-lo e de certeza que um Estado como o nosso, ou como qualquer Estado deste planeta, que remete os seus cidadãos à menoridade intelectual, não será a forma mais adequada.
Prometeu
Caro Prometeu
acho que disse tudo.
Cumprimentos
A respeito do que por aqui se pensa e escreve, uma posta:
http://liberal.blogs.sapo.pt/arquivo/616776.html
"que remete os seus cidadãos à menoridade intelectual"
O cidadão abdica naturalmente da "coisa publica", o que lhe dá espaço e tempo para se dedicar ao que lhe der na telha
O que é a etica? e a moral?
DLM:
Para continuar o thread, sobre o post A cidade, comentei o seguinte:
Mais uma vez reitero que nenhuma dessas criaturas foi realmente um comunista, mas sim autocratas que estavam mais preocupados com a obtenção e manutenção de poder do que com a sociedade.
Para além do mais, o comunismo na sua verdadeira e renovada essência é a expressão máxima da individualidade. O que sucede muitas vezes é a confusão entre individualismo e individualidade. A nossa sociedade actual, por exemplo, é altamente individualista mas aposta pouco ou nada na individualidade do sujeito, porque esta é perigosa para a supremacia dos poderes oligárquicos. (Raciocinando «a contrario», a reafirmação da individualidade contribui então para uma distribuição equalitária do poder.)
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Em relação às perguntas "o que é a ética? o que é a moral?", peço que DLM reflita sobre se isto não é uma forma de entrar em argumentos redutores. Se a ética e a moral não são nada, como a retórica parece dar a entender, então muitos filósofos perderam o seu tempo em vão e a ruptura do tecido social (ideal ou não) está para breve - a moral e a sociedade são condições sine qua non uma da outra: não existe um agrupamento humano que não tenha valores (logo, moral), nem existe uma moral desenquadrada da sociedade. E sobre o que é a ética, já respondi num comentário anterior aqui mesmo.
Prometeu
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