Em primeiro lugar, quero pedir desculpa aos leitores de "O Fogo de Prometeu" pela minha ausência, que se explica, em parte, por uma grande dose de preguiça (também tenho direito!) e por outro lado, pela falta de actualidades realmente controversas, que são as minhas preferidas e as que mais me inspiram. Como esta sobre a qual vou falar agora...
Em segundo lugar, quero expressar o meu desprezo pela subjugação ideológica: por alguém pertencer a esta ou aquela facção política, é suposto que pense desta ou daquela forma, o que acaba por retirar a pessoalidade das opiniões, que é coisa que muito prezo, tal como os meus leitores. Assim sendo, apesar de ser da Assumida Esquerda (que não se revê em nenhuma instituição partidária, note-se), vou agora manifestar-me e justificar-me contra o aborto, e não a favor do mesmo, como é comum que se faça no "meu" quadrante ideológico. Introduções à parte, começarei.
Se há coisa que não percebo é porque é que as mulheres tomaram o aborto como fazendo parte dos direitos da mulher... Não me interpretem mal, por favor, eu sou o mais a favor possível da mais estricta igualdade entre sexos; não obstante, há aqui uma confusão, um erro de perspectiva que leva a que este assunto esteja a ser mal abordado. Na verdade, há vários erros de perspectiva... mas já lá vou! O primeiro é este mesmo: faz-se a confusão entre o embrião, ou o feto, e a mulher. Se temos aqui duas coisas distintas (feto e mulher) não percebo porque é que, quando convém, essas duas coisas se juntam. É verdade que existe uma simbiose biológica, que ambos os corpos estão ligados, mas existe uma diferenciação de identidades que é também biológica: não se pode falar num corpo só quando existem dois códigos genéticos (fora os casos de quimerismo humano, mas deixem isso para outra altura, por favor)! Mas não, quando se fala em aborto, o feto é a mulher, é apenas mais um apêndice seu... de onde saiu esta ideia, desconheço. Como é que se propagou, espanta-me...
O segundo erro de perspectiva, lamento informar, parte deste. Não se reconhece individualidade ética ao feto. É tão simples quanto isso - já que faz parte da mulher, não tem direito a ser reconhecido como um ser separado, diferente da mulher. E, para cúmulo, vêm os médicos (e não só) provar que o feto, apesar de ter sensibilidade a partir de dada altura, não tem consciência, e que portanto se pode fazer o que quiser. Muito honestamente, ouvir isto dá-me a volta ao estômago... O embrião, nem que tenha duas células apenas, é aquilo que todos nós somos: um ser, uma potencialidade. O ser humano nunca termina o seu desenvolvimento interior, e um embrião está apenas muito distante do nosso estádio de desenvolvimento tanto física como intelectualmente, mas nem por isso se lhe deve conferir menos peso ético! Seria o mesmo que dizer que uma criança vale menos do que um adulto, ou do que um idoso. Toda a vida humana deve ter um peso semelhante. Todos nós somos projectos daquilo que podemos ser, e o embrião, a partir do momento em que tenha um código genético (e um útero para se desenvolver) é um humano, é uma pessoa, e deve ser tratado como tal. Temo que a posição normalmente tomada, de nulidade ética do embrião, advém (para grande vergonha minha como ser humano) da máxima "Longe da vista, longe do coração". Aquilo que não vemos directamente não nos afecta tanto ao nível emocional; ora, como a maior parte das pessoas não se dá ao trabalho de usar a massa cinzenta, deixam-se ficar por aí (para provar isto, refiro-me a uma mulher que ia abortar e que dizia que lhe custava mais dar o filho para adopção do que abortá-lo; o que é interessante é que isto leva a pensar que o aborto é um caso de egoísmo puro). Porém, este é um caso em que se deve abordar o assunto de forma intelectual, filosófica mesmo, considerando como pessoa aquele ser, ao invés de o desprezar e de o considerar uma nulidade. Seja isto com mais ou menos de X semanas...
Daqui se depreende que, tratando o feto como ele merece, o aborto não passa de assassinato premeditado. Mas há quem queira deixar nas mãos da mãe e só da mãe a decisão de vida e de morte de uma pessoa! Até mesmo nos países mais bárbaros em que a pena de morte é rainha (como em alguns estados dos E.U.A.) existe um painel de jurados, existe um julgamento e provas a serem apresentadas antes de se executar alguém (e não vou falar dos países ainda mais bárbaros, estou só a aproveitar para dar "descasca" nos E.U.A.). Não é feita execução sumária! Ser contra a pena de morte e a favor do aborto (ou da sua legalização, já agora) é absolutamente insustentável do ponto de vista argumentativo!
Em relação aos que são contra o aborto, mas a favor da sua legalização eu digo apenas - queremos ser realmente coniventes com tal acto, queremos ser assim tão hipócritas? Respondem-me que mais vale isso do que mulheres e crianças morrerem por causa de abortos ilegais... e eu posso contra-argumentar dizendo que há solução melhor. Se o Estado se resolvesse a melhorar substancialmente o serviço de adopções e a conceder mais subsídios para esse mesmo fim, o problema diminuiria. Sim, porque por muito ridículo que seja, a principal preocupação das mães que não o querem ser é como vão cuidar da criança, e não simplesmente o ter a criança. Respondem-me que mais vale o aborto que a vida com falta de condições... E eu, horrorizado, respondo: "mas quem somos nós para dizer isso, acaso temos o poder moral de decidir por outrém se a sua morte é melhor que qualquer tipo de vida que seja?" Afinal de contas, vemos tantos desalojados, drogados, famintos e outros que tais... se realmente fosse verdade que toda a gente considera que mais vale morrer do que viver mal, todas essas pessoas se teriam suicidado! Temos que deixar ao próprio o direito de viver e depois decidir por si próprio se prefere viver ou morrer! Não somos deuses para tomar tais decisões!! A vida tem o valor que tem, e a nível subjectivo tem o valor que lhe atribuímos pessoalmente. Se o feto não o pode fazer, esperemos até que possa realmente decidir por si mesmo.
Acusam-me de ser simplista na forma como abordo a questão, mas ainda ontem vi uma activista pró-aborto a dizer à televisão que o aborto era como cortar as unhas... Isto repugna-me! Matar alguém é igual a cortar as unhas?! Em que planeta? Só se for na cabeça do Bush - esse deve concordar...
Deixem estar a lei como está, e mesmo assim deveria talvez ser modificada para obrigar à consulta de psicólogo para discutir a questão... É o Estado que tem a culpa de não fornecer os meios para o apoio aos desfavorecidos. Se isso for reconhecido, escusamos de andar a matar desnecessariamente.
Prometeu