Blogs e reality shows
Por muito distantes que estas duas realidades pareçam, existe um ponto que une ambas. São formas de exposição do sujeito a outros sujeitos, são maneiras alargadas de comunicação que subvertem de certa forma a direcção do modelo foucaltiano de panoptismo. Se o costume é a sociedade vigiar os seus membros (situação que passa até mesmo por uma vigilância mútua e por uma vigilância interiorizada - moral e/ou super-ego freudiano), nestes dois casos, é o sujeito que se expõe à observação de forma quase compulsiva, extravasando e, por vezes (no caso dos blogs)/sempre (no caso dos reality shows) fazendo com que o espaço privado se funda com o espaço público.
Existem, não obstante, diferenças que levam a que a comunidade blogger tivesse tido uma reacção tão alérgica - plenamente justificada, na minha opinião - a adventos como Big Brother e Quinta das Celebridades.
Em primeiro lugar, o blog pressupõe e quase instaura como cânone um certo grau de anonimidade, que terá de ser entendido como anonimidade em relação à persona que escreve. Isto é, mesmo que todos os meus dados apresentados on-line sejam o mais fiéis possível, nunca existe a certeza por parte dos leitores que isto assim seja de facto. Esta criação de um alter-ego, de um quase avatar, de (mais) uma extensão do sujeito acaba por retirar precisamente o foco do sujeito e fazê-lo incidir na mensagem veiculada. Mais concretamente, apelando ao universo bloguístico de Portugal, a supremacia vai sem dúvida para os blogs de cariz mais crítico e não para certo tipo de «diários on-line», o que ajuda a que este factor se consolide. Afinal de contas, quem não conhece o livro "1984" e o modelo do Grande Irmão? É preciso que se tenham gostos de Direita para sequer pensar em perder tempo a ver um programa (e seus descendentes) que esteja tão claramente identificado com um horrível mecanismo de controlo (panóptico, neste caso). Ao mesmo tempo, o facto de existir tais programas vem criar uma espécie de "alerta" para duas coisas - o modelo super-panóptico está tão divulgado que uma fracção deste é não só aceite como desejado; esse mesmo desejo vem demonstrar que não existe a percepção do próprio funcionamento do modelo super-panóptico por parte do geral da sociedade. É interessante (e ao mesmo tempo, desgostante, claro) ver que se considera como "entretenimento" uma forma de supressão da individualidade. Porquê supressão da individualidade? Porque o modelo panóptico tem como um dos objectivos a normalização dos sujeitos segundo modelos pré-estabelecidos. O Big Brother é um exemplo, se bem que efémero, de como isto é verdade: quem está a ser filmado torna-se um modelo, um padrão, que muitos acabam por, consciente ou inconscientemente, seguir. E tal como no caso das telenovelas, já anteriormente repudiadas por mim, as situações que surgem num programa desse género são de tal maneira ficcionadas e deslocadas da realidade que quase se justifica uma aplicação (um pouco forçada, sem dúvida) do conceito de hiper-realidade de Baudrillard. Assim, os reality shows impõem o modelo panóptico como "natural e de entretenimento", como um verdadeiro fetiche; centram-se no sujeito reduzido à mera condição de objecto. Movimento paralelo aos blogs que nada mais são que diários.
Em segundo lugar, é preciso ver a premência e a utilidade de cada uma destas formas de comunicar, bem como a forma como a comunicação é estabelecida. Um reality show, por estar enquadrado dentro do género televisivo tem forçosamente de ter um tipo de comunicação que se diz de um-para-muitos. Ou seja, existe um fluxo unidireccional de informação (e até que ponto isto é realmente informação é algo largamente discutível) que é depois absorvido por um sujeito passivo, não-reflexivo, que está sentado em frente ao ecrã e que toma o que vê como se apresenta, com um valor de verdade e, pior, de validade que a mensagem de per si não possui. No sentido contrário, um blog permite, por predefinição, a comunicação de muitos-para-muitos: é um meio aberto a qualquer pessoa e, mais importante ainda do que isso, permite um feedback directo, claro, e na forma de uma mensagem equivalente à mensagem original. No caso dos reality shows, o feedback são apenas as audiências, números estatísticos dos quais se podem fazer elações mas que não têm um conteúdo em si; no caso dos blogs, qualquer pessoa pode (e DEVE!!) comentar o que o autor (o tal sujeito semi-artificial e semi-inexistente, a projecção de uma persona que corresponde a uma fracção de um sujeito real). Ora, como é lógico, a produtividade e a importância dos blogs para o desenvolvimento social - que é, afinal de contas, um grande objectivo meu, nunca esqueçamos isso - é muito maior. Note-se que, enquanto todas as mensagens produzidas em programas desses são sempre concordantes com a ideologia vigente, o blog pode ser usado como uma arma (da cultura que parte da ideologia vigente) para combater essa mesma cultura, essa mesma ideologia.
Assim, para concluir e resumir, temos os reality shows e blogs do tipo diário VS os blogs ideológicos. A inutilidade e futilidade contra a utilidade e a importância. É fácil perceber qual deve ser a nossa escolha quando estamos indecisos sobre o que fazer.
Prometeu
P.S. - Voltarei à questão do super-panóptico e dos problemas que causa/resolve. Um verdadeiro dilema, ou talvez não, se tivermos em conta que um dos princípios enunciados por Foucault acabar por auto-contradizer a estabilidade do sistema super-panóptico.
Existem, não obstante, diferenças que levam a que a comunidade blogger tivesse tido uma reacção tão alérgica - plenamente justificada, na minha opinião - a adventos como Big Brother e Quinta das Celebridades.
Em primeiro lugar, o blog pressupõe e quase instaura como cânone um certo grau de anonimidade, que terá de ser entendido como anonimidade em relação à persona que escreve. Isto é, mesmo que todos os meus dados apresentados on-line sejam o mais fiéis possível, nunca existe a certeza por parte dos leitores que isto assim seja de facto. Esta criação de um alter-ego, de um quase avatar, de (mais) uma extensão do sujeito acaba por retirar precisamente o foco do sujeito e fazê-lo incidir na mensagem veiculada. Mais concretamente, apelando ao universo bloguístico de Portugal, a supremacia vai sem dúvida para os blogs de cariz mais crítico e não para certo tipo de «diários on-line», o que ajuda a que este factor se consolide. Afinal de contas, quem não conhece o livro "1984" e o modelo do Grande Irmão? É preciso que se tenham gostos de Direita para sequer pensar em perder tempo a ver um programa (e seus descendentes) que esteja tão claramente identificado com um horrível mecanismo de controlo (panóptico, neste caso). Ao mesmo tempo, o facto de existir tais programas vem criar uma espécie de "alerta" para duas coisas - o modelo super-panóptico está tão divulgado que uma fracção deste é não só aceite como desejado; esse mesmo desejo vem demonstrar que não existe a percepção do próprio funcionamento do modelo super-panóptico por parte do geral da sociedade. É interessante (e ao mesmo tempo, desgostante, claro) ver que se considera como "entretenimento" uma forma de supressão da individualidade. Porquê supressão da individualidade? Porque o modelo panóptico tem como um dos objectivos a normalização dos sujeitos segundo modelos pré-estabelecidos. O Big Brother é um exemplo, se bem que efémero, de como isto é verdade: quem está a ser filmado torna-se um modelo, um padrão, que muitos acabam por, consciente ou inconscientemente, seguir. E tal como no caso das telenovelas, já anteriormente repudiadas por mim, as situações que surgem num programa desse género são de tal maneira ficcionadas e deslocadas da realidade que quase se justifica uma aplicação (um pouco forçada, sem dúvida) do conceito de hiper-realidade de Baudrillard. Assim, os reality shows impõem o modelo panóptico como "natural e de entretenimento", como um verdadeiro fetiche; centram-se no sujeito reduzido à mera condição de objecto. Movimento paralelo aos blogs que nada mais são que diários.
Em segundo lugar, é preciso ver a premência e a utilidade de cada uma destas formas de comunicar, bem como a forma como a comunicação é estabelecida. Um reality show, por estar enquadrado dentro do género televisivo tem forçosamente de ter um tipo de comunicação que se diz de um-para-muitos. Ou seja, existe um fluxo unidireccional de informação (e até que ponto isto é realmente informação é algo largamente discutível) que é depois absorvido por um sujeito passivo, não-reflexivo, que está sentado em frente ao ecrã e que toma o que vê como se apresenta, com um valor de verdade e, pior, de validade que a mensagem de per si não possui. No sentido contrário, um blog permite, por predefinição, a comunicação de muitos-para-muitos: é um meio aberto a qualquer pessoa e, mais importante ainda do que isso, permite um feedback directo, claro, e na forma de uma mensagem equivalente à mensagem original. No caso dos reality shows, o feedback são apenas as audiências, números estatísticos dos quais se podem fazer elações mas que não têm um conteúdo em si; no caso dos blogs, qualquer pessoa pode (e DEVE!!) comentar o que o autor (o tal sujeito semi-artificial e semi-inexistente, a projecção de uma persona que corresponde a uma fracção de um sujeito real). Ora, como é lógico, a produtividade e a importância dos blogs para o desenvolvimento social - que é, afinal de contas, um grande objectivo meu, nunca esqueçamos isso - é muito maior. Note-se que, enquanto todas as mensagens produzidas em programas desses são sempre concordantes com a ideologia vigente, o blog pode ser usado como uma arma (da cultura que parte da ideologia vigente) para combater essa mesma cultura, essa mesma ideologia.
Assim, para concluir e resumir, temos os reality shows e blogs do tipo diário VS os blogs ideológicos. A inutilidade e futilidade contra a utilidade e a importância. É fácil perceber qual deve ser a nossa escolha quando estamos indecisos sobre o que fazer.
Prometeu
P.S. - Voltarei à questão do super-panóptico e dos problemas que causa/resolve. Um verdadeiro dilema, ou talvez não, se tivermos em conta que um dos princípios enunciados por Foucault acabar por auto-contradizer a estabilidade do sistema super-panóptico.